domingo, 27 de maio de 2012

Preservar para pensar


Ouvindo: Landslide do Fleetwood Mac.

            Da neblina que cerrava minha visão, uma luz se fez e disciplinou as gotículas que formavam aquela barreira tangente. Aquela mesma nuvem que pairava, me cegava; transtornava. Queria acreditar que vivia no inverno londrino, sob as temperaturas baixas e o quase permanente clima nublado. Os raios do sol que eram ateados sobre meu corpo, esconderam-se. As vozes que afligiam o inconsciente da minha alma emudeceram. Os gritos já não eram mais ouvidos, emudeceram. Restava a paz.

            E que assim seja. A paz que trago agora em meus braços não se comparam àquelas que antes me atingia. A sofreguidão de outrora desaparecera como a chuva no sul do Brasil. Durante toda a estiagem de sofrimento e angústia, eis que surge a precipitação de lágrimas sorridentes, que corro em atingi-las com minhas mãos, sorrindo e deixando-as escorrer sobre meu rosto. Sorrio diante da umidade que se cria sobre minha pele. Enfim, sinto a paz.

      
            Hoje tenho pressa. Corro e, ao que parece, fico no mesmo lugar. Caminho, mas permaneço parado. Durmo, mas sinto tudo continuas acordado. Os sonhos rarearam. As noites longas escassearam. Os dias encurtam, as palavras faltam, os sons tomam conta. A música paira e penetra nos sonhos que não sonho, durante as noites que não durmo, nos dias em que acordo e nas tarefas que não faço. A calmaria teima em seguir, onde for, onde quer, onde deve, onde sente o desejo de paz. 

            
            Além dos devaneios, a falta de chuva que hoje atormenta muitos, me preocupa. Vivemos em um mundo onde há muita água; salgada. Devemos reduzir o sal e as gorduras das nossas refeições. Pode causar hipertensão. Não adianta, só sentimos falta de algo quando não o temos mais. E, apesar de tudo, tentamos valorizar, mas parece que o valor devido não é o suficiente. Necessitamos de mais; chorar. A falta não proporciona a paz, como se houvesse uma dependência química, hipossuficiente.

            O que me faz refletir em paz é a falta. Sinto falta quando estou longe. Sinto paz quando estou perto. Sinto a necessidade de estar perto, de sentir perto, de saber que está por perto. Mesmo longe, preciso estar perto. Devaneios acerca de um tema escasso, persistente, permanente, presente. Senti sede e não tinha água; sofreguidão. Tive de esperar sair e buscar, beber e saciar. A sede dói, corrói, machuca, entristece, preocupa, adoenta, enlouquece.

            Preservar é um dos laços que devemos ter para com todos. Preservar os laços afetivos na família, com os filhos, com os irmãos. Preservar os laços com os colegas, amigos, vizinhos, inimigos. Lutar por preservar antes que seja tarde demais, antes que falte. A falta dói, corrói, machuca, preocupa; enlouquece. É necessário preservar. Preservar a vida, os laços, a água, o amor, a compaixão, o carinho, o respeito, a vida. É necessário estreitar os laços, é necessária a preservação da paz em cada um.

Ouvindo:  Man on the Silver Mountain do Rainbow. 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A tentativa


* Coluna do Diário do Meio Oeste, veiculada dia 17 de março. 
Aos novos ajudantes do Mendigo, cabe uma explicação rápida: os textos mais recentes são colunas que escrevo, semanalmente, no jornal Diário do Meio Oeste. 


Ouvindo: Hells Bells do AC/DC.

Há mais de dois meses que não fumo. Sinto saudades do meu velho companheiro. Sinto saudades, de vez em quando falta, mas fico mais feliz sabendo que ele se encontra bem protegido, atrás de um balcão. E que fique lá. Entretanto, alguns outros permanecem passeando no bolso ou na bolsa de muitas outras pessoas. Não morri. Prova é que estou escrevendo, sentando e ouvindo o Brian Johnson cantar. 

A propósito, não parei. Devo fazer esta retificação: estou tentando. Nem sei se pararei algum dia. Ouvi dias atrás que parar de fumar é fácil. Conta o sujeito: “Meu avô diz que parar de fumar é a coisa mais fácil do mundo. Já parou, sozinho e sem ajuda, 32 vezes!”. Apenas faz mais de dois meses que não vejo o “zé”. Quando cruzo a rua, vejo o “zé” na mão ou boca de alguns. Aquele cheirinho tão bom.

Não fiquei doente; tampouco louco. Apenas fui abatido pela insônia, inquietude, um pouco de irritação e fome. Ah! E muita fome. Estou quase um porco (tal qual um de granja). Nunca antes fui de comer tanto (mas agora em menor quantidade), mas parece que ocupava os tempos de janela para ir procurar algo no refrigerador ou nos armários. Engraçado, nem eu sabia que tinha biscoito recheado em casa!  E eles são bem gostosos.

Para matar o desejo (parecia que eu estava grávido), já me deliciava com um pacote inteiro e um copão de café com leite. E ainda tinha fome. Tentava dormir. Tentei, mas meus olhos pareciam sempre abertos. Apenas dormindo é que eu não sentia fome. Sentia fome, mas não o desejo de rever o “zé”. Não é fácil, apesar das minhas brincadeiras verídicas e que enfrentei há poucos dias.


Porém, não pedi para ninguém parar de fumar, nem fumar longe, muito menos campanha para obrigar as pessoas em deixar o cigarro. Vivemos em um país livre. Bom, a liberdade não é absoluta. Nem a Constituição Federal, muitos menos suas infindáveis compreensões, deixa o pais ser livre, por mais que assim o pregam. Fumar não é permitido aqui, nem ali, nem lá, acolá também não. E a liberdade do fumante?

Queria saber o motivo de ninguém proibir os carros de circularem, pois são eles os causadores do efeito estufa e de problemas respiratórios em muitas pessoas, mesmo aquelas que andam de bicicleta. Ainda por cima, o cheiro da fumaça do escapamento também não é aroma de um bom perfume. Ninguém reclama do cheiro, mas caso passe algum fumante, já vão alguns elogios pelas costas.

Não quero defender o uso, mas a liberdade de escolha. O fumo é uma droga lícita. Nunca reclamei de alguma pessoa que anda com roupa amarela. Por mais que eu não goste, respeito e não tenho direito de falar um “a” contra. Caso me sinta mal do lado dela, vou para outro lado. Não vejo a necessidade de pedir para que ela saia daquele local e vá esperar, ou ficar parada, em outro lado com sua roupa amarela.

O país deve ser livre e o respeito deve perdurar. Quem sabe eu esteja parando de fumar por causa do cheiro perto de minha filha. Não havia pensado nisso, mas pode ser uma razão. Apenas me sinto mais confortável em ficar ao lado das pessoas, da minha filha. Não sei se sinto-me melhor, mas imagino que posso conviver com a falta do “zé”, por mais que me traga boas recordações durante os vários anos de noivado.

Ouvindo: Headless Cross do Black Sabbath.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

Na beiradinha da ponte


Ouvindo: Immigrant Song do Led Zeppelin.


            Caso avaliemos a história da colonização, o município de Videira foi formado por imigrantes. Alguns diziam que já existiam nativos, quiçá bugres. Mas podemos dividir em meio a meio. De um lado do rio os italianos, do outros, os alemães. A maior parte chegou do Rio Grande do Sul. Não tiveram a chance de pesquisar na internet ou ligar para algum conhecido pedindo como era a localidade, tampouco visitar e avaliar melhor. De forma decidida, colocaram seus pertences sobre os lombos de cavalos e seguiram uma trilha, ainda inexistente.

            Foram obrigados a ceifar o mato que estava na frente. Os que saíram depois avistaram rastros pela frente. Heroicos desbravadores. Corajosas famílias. Pode-se dizer loucos? Loucos por andar tanto, em um lugar desconhecido, sob o mato fechado, os morros, os perigos das estradas que ainda não existiam. A civilização.  Loucos por seguirem suas vidas, mesmo que involuntariamente, e serem eternamente agradecidos pelo sofrimento e perseverança dos que os sucederam. Quem relembra e pensa nisso, mesmo que apenas por hoje, pode tentar imaginar o quão sofrido foi aquele tempo.  




            Videira completa hoje 68 anos. Cheguei aqui logo depois de celebrar os 62. Lembro que foi “ontem” quando desembarquei na rodoviária.  Passavam três minutos da meia-noite e nem sabia onde é que eu pegaria o táxi que me levaria à pensão. Tive a felicidade (e satisfação) de desbravar esta terra com tudo ajeitado: lugar para morar, trabalho e o pensamento de vir e ficar. Saí. Passei um tempo fora e retornei. Hoje, sou um videirense. Um gaúcho de Videira. Como muitos gaúchos, não negamos a raça, mas também não escondemos o orgulho daqui.


            Bebi da tão famosa água do Rio do Peixe. Morava de um lado da ponte. Até acostumar a atravessar o rio (e enfrentar meu receio por pontes) foram-se alguns dias. Ou muitos dias. Ainda caminho mais na beiradinha do lado da rua. Quando cruzo a ponte, recordo de como vim para cá. Vim sem conhecer, sem saber onde ficava, sem uma mínima noção de clima, de povo, de sotaques, de culturas, da economia. Como muitos, cheguei sem saber onde estava. Normal para qualquer imigrante. Oas poucos fui descobrindo, me encantando.

            Cheguei, gostei, bebi da água da Casan e finquei raízes. Aqui estou, depois de seis curtos anos. Parece que foi ontem que cheguei com minha mala. Agora, sou videirense. Um gaúcho de Videira. Não perdi minhas raízes, minha base. Apenas acrescentei minha base videirense. Prova disso é minha filha, minha família. Aqui se planta e aqui se colhe. Com chuva, com sol ou com granizo, aqui se planta e aqui se colhe todos os dias. Eu plantei o amor e colhi a minha filha, aqui, nesta terra que me acolheu tão bem e ainda o faz. Parabéns para todos nós.


Ouvindo: You're Gonna Need Someone On Your Side do Morrissey.