domingo, 18 de novembro de 2012

Na maior traquinagem


*** Coluna publicada no Jornal Diário do Meio Oeste, dia 04 de agosto de 2012. ***


Ouvindo: Hey Hey My My do La Renga.

            A tristeza das palavras podem não ecoar na reflexão subjetiva dos poemas de Manuel Bandeira, mas as lembranças exploradas pelo professor carioca no século passado trazem um sentimento de angústia. As recordações de outrora retomam o caminho em meio ao turbilhão de desejos que existem. Uma rápida passagem por um lado atinge outro tão longínquo. Os restos das lembranças reavivam o saudosismo, d´alguns anseios de retornar ao que em outra época foi interessante.

            Não quero inventar situações, tampouco gerar insinuações. Sonho em fechar os olhos e ver uma luz correr por entre as festas de uma porta entreaberta. A luz que não perpassa o sentido visual, mas resplandece sobre a curiosidade do que poderia ter ocorrido diferente. E se... ? Os olhos permanecem nublados sobre a névoa gélida que cruza um mar de recordações. Carregar um corpo para onde não desejar seguir, alimentar-se de uma esperança nebulosa. E se... ?


            As perguntas geram outras. Gerarão hipóteses e possibilidades capciosas. Não para induzir aos variados entendimentos, mas para não proporcionar. Para imaginar, fechar os olhos e recordar. O tempo passa como um avião supersônico. Ouve-se o barulho depois de já ter cruzado. O tempo não tem velocidade. Corremos na direção do relógio quando jovens, e tentamos fugir quando mais velhos. Quando temo 15 queremos que os 18 cheguem rapidamente. Aos 20 já queríamos os 25 pela mulher mais velha.



            Chega aos 30 e queremos voltar aos 25. Não, não!! Aos 20. Aos 20 está de bom tamanho. A voz esganiçada já sumira, a barba enche o rosto e a lâmina já se gasta com a terceira passada. Aquela barba mal feita já atrai a atenção da vizinha da frente, a calça rasgada faz parte da primeira fileira do roupeiro e os sonhos flutuam aos quatro ventos. Os sonhos permeiam os pensamentos até que chega a mãe e desliga o rádio. Recolhe o copo de refrigerante sujo e pede para recolher as meias do chão.

            Como é bom olhar para o passado e ver quantas bobagens foram feitas. As traquinagens de poucos anos antes causam sorrisos escamoteados, aqueles de canto de boca. Um sorriso com desejo de repeteco. O tempo passou e as velhas gafes não voltam. Não como foram praticadas. Os dias passaram e as traquinagens já se transformaram em crimes, em safadezas, em situações que envolveram outras pessoas. O pai já não é mais chamado, tampouco a mãe. E se... ? Socorro!

            Não dá para voltar ao passado como na entrada perdida da marginal. Mesmo assim, o retorno causa a perda do tão temido e precioso tempo. Estes retornos causam prejuízos. Aqueles instantes de antes já se foram; sumiram em meio aos desatentos, desalentos, devaneios; desvio.  Quanto mudaria um retorno? Do que há neste agora, no passado teria a mesma validade? A importância dada neste agora poderia ser a mesma da traquinagem do passado? O ser de agora é demais importante.

            Tento imaginar como seriam meus dias sem o ser que transformou minha vida. Cerro minha visão, para inibir a entrada de luz, e tento, sem sucesso, imaginar. Não consigo. Um ser tão pequenino mudou minha vida, minha concepção de vida, minha visão sobre a vida, o som da minha vida. Minha vida é muito mais rock and roll hoje do que foi no passado. A minha filha é a banda mais importante da minha vida. A minha melhor e mais bem feita traquinagem. Neste caso, não existe o “e se... ?”

Ouvindo: She do Kiss. 

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