quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Uma vida de reclamações


** Coluna publicada no Jornal Diário do Meio Oeste, edição do dia 18 de agosto de 2012. **


Ouvindo: Ain`t That Just Like A Woman do Louis Jordan

Sempre há o que reclamar. E como é bom reclamar! Está por nascer algum ser que não goste de reclamar. Seja uma reclamação pequena até os berros com a atendente do SAC. O serviço mal feito, o produto entregue fora do prazo, a ligação que é interrompida, a produto danificado, a comida muito salgada, a louça suja na pia, a camisa mal passada, as meias no chão da sala, a chegada atrasada.

Qualquer motivo é sempre um bom motivo. Caso não tenha algo palpável, cria-se um. E reclama-se de algo do qual nada tinha a ser reclamado. Importante é reclamar. Reclamar não quer dizer gritar. Ao gritar já se perde metade da razão. Dizem que os gritos só chegam quando os motivos começam a escassear. Contudo, a voz mais potente ganha a reclamação, quem sabe a discussão.

Mas a vida do atendente de SAC deve ser mais contente. Enquanto o sujeito está aos berros reclamando, ele aperta o tal do “mute” e segue lixando as unhas, jogando paciência ou rindo sobre a noitada anterior com o colega. Ainda o filho da mãe diz: “entendo a razão do senhor, mas estamos verificando o problema”. Já percebeu como o atendente demora para responder depois que você para de falar? Estava no “mute”.

Reclamo faz 32 anos. Logo que nasci reclamava por causa da comida (sentir fome é bravo), da fralda suja, daquela calça plástica desgraçada que minha amada Mamá colocava sobre a de pano. Ruim mesmo era quando aquela safada escorregava da mão e “slápt” naquela bunda fofa e branquela. Um sonoro e estridente “uééééé” surgia. E já vinha alguém reclamar por causa dos gritos. Todo mundo reclama de algo.

Reclamar é tão bom quanto comer. Sentar em uma mesa e reclamar do mundo, sorvendo um copo de alguma coisa e entre as estateladas do garfo no prato. Reclamar é tão viciante quanto fofocar ou ficar doente. O hipocondríaco já reclama de tudo. Fofoca da saúde do vizinho, fazem disputa para saber quem é o mais doente e acabam adoecendo os familiares mais próximos.

Tento não reclamar tanto, mas é difícil. Quando penso que tudo está bem bom, vem aquele filho da mãe com som alto e ouvindo um sertanejo horrendo pela rua ou com aquela propaganda chata do bailão do final de semana, com cachaça livre e mais trabalho para a polícia. Tento, mas é difícil. Morar no mato também não daria, pois vem aquele filho da mãe do galo cantar logo cedo. O mundo faz barulho.

Caso preste atenção, até a Terra, em seu sistema de rotação, faz barulho. Ando mais silencioso e reclamo com tudo. Mas é bom, faz passar o tempo. Reclamar é tão bom. É algo que os psicólogos ganham para ouvir. Mas bom mesmo é fazer o tratamento gratuito: vai no vizinho. Ainda, se der sorte, consegue um café, almoço ou janta de brinde.


A chegada da minha filha faz-me pensar nas reclamações da vida. Reclamava de muita coisa, mas hoje se transformou em algo mais interessante. Nem reclamo tanto. Ou, pelo menos, é isso que penso. Tenho de consultar quem está ao lado. No fundo, seguirei reclamando. D. Pedro reclamou no seu tempo e hoje temos nosso Brasil. Vai que em alguma destas reclamações não consiga fazer algo importante.


Ouvindo: Touch Of Blue do Stanley Jordan

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