** Coluna publicada no Jornal Diário do Meio Oeste, edição do dia 18 de agosto de 2012. **
Ouvindo: Ain`t That Just Like A Woman do Louis Jordan
Sempre
há o que reclamar. E como é bom reclamar! Está por nascer algum ser que não
goste de reclamar. Seja uma reclamação pequena até os berros com a atendente do
SAC. O serviço mal feito, o produto entregue fora do prazo, a ligação que é
interrompida, a produto danificado, a comida muito salgada, a louça suja na
pia, a camisa mal passada, as meias no chão da sala, a chegada atrasada.
Qualquer
motivo é sempre um bom motivo. Caso não tenha algo palpável, cria-se um. E
reclama-se de algo do qual nada tinha a ser reclamado. Importante é reclamar. Reclamar
não quer dizer gritar. Ao gritar já se perde metade da razão. Dizem que os
gritos só chegam quando os motivos começam a escassear. Contudo, a voz mais
potente ganha a reclamação, quem sabe a discussão.
Mas
a vida do atendente de SAC deve ser mais contente. Enquanto o sujeito está aos
berros reclamando, ele aperta o tal do “mute” e segue lixando as unhas, jogando
paciência ou rindo sobre a noitada anterior com o colega. Ainda o filho da mãe
diz: “entendo a razão do senhor, mas estamos verificando o problema”. Já
percebeu como o atendente demora para responder depois que você para de falar?
Estava no “mute”.
Reclamo
faz 32 anos. Logo que nasci reclamava por causa da comida (sentir fome é
bravo), da fralda suja, daquela calça plástica desgraçada que minha amada Mamá
colocava sobre a de pano. Ruim mesmo era quando aquela safada escorregava da
mão e “slápt” naquela bunda fofa e branquela. Um sonoro e estridente “uééééé”
surgia. E já vinha alguém reclamar por causa dos gritos. Todo mundo reclama de
algo.
Reclamar
é tão bom quanto comer. Sentar em uma mesa e reclamar do mundo, sorvendo um
copo de alguma coisa e entre as estateladas do garfo no prato. Reclamar é tão
viciante quanto fofocar ou ficar doente. O hipocondríaco já reclama de tudo.
Fofoca da saúde do vizinho, fazem disputa para saber quem é o mais doente e
acabam adoecendo os familiares mais próximos.
Tento
não reclamar tanto, mas é difícil. Quando penso que tudo está bem bom, vem
aquele filho da mãe com som alto e ouvindo um sertanejo horrendo pela rua ou
com aquela propaganda chata do bailão do final de semana, com cachaça livre e
mais trabalho para a polícia. Tento, mas é difícil. Morar no mato também não
daria, pois vem aquele filho da mãe do galo cantar logo cedo. O mundo faz barulho.
Caso
preste atenção, até a Terra, em seu sistema de rotação, faz barulho. Ando mais
silencioso e reclamo com tudo. Mas é bom, faz passar o tempo. Reclamar é tão
bom. É algo que os psicólogos ganham para ouvir. Mas bom mesmo é fazer o
tratamento gratuito: vai no vizinho. Ainda, se der sorte, consegue um café,
almoço ou janta de brinde.
A
chegada da minha filha faz-me pensar nas reclamações da vida. Reclamava de
muita coisa, mas hoje se transformou em algo mais interessante. Nem reclamo
tanto. Ou, pelo menos, é isso que penso. Tenho de consultar quem está ao lado.
No fundo, seguirei reclamando. D. Pedro reclamou no seu tempo e hoje temos
nosso Brasil. Vai que em alguma destas reclamações não consiga fazer algo
importante.
Ouvindo: Touch Of Blue do Stanley Jordan
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