* Coluna publicada no Diário do Meio Oeste no dia 26 de maio. **
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Ouvindo: The Evil That
Man Do do Iron Maiden.
No passado, você foi levado passear no parque? Seja um
parque gigante ou um humilde parquinho, perto de casa, foi? Não agora, quando
grande, mas quando pequenino, ainda criança. Tente forçar a memória para aguçar
o saudosismo, as recordações de sua feliz infância. Feliz sim, pois apenas
muito tempo depois é que você notou que nem sempre sua infância foi feliz.
Naquele tempo não existiam valores, nem dinheiro, tudo era fácil, de graça, acessível.
Até pilotar uma astronave era algo facilmente possível.
O tempo passou e logo percebemos que aquele parquinho não
era tão bonito quanto pensávamos, que a areia já não era limpa, que andar
descalços ou ficar com os pés sujos e molhados era chamarizes para doenças, que
o vizinho também dormia, que os bebês precisavam de repouso, que o senhor de
idade detestava barulho, que pai e mãe tinha tempo para seu trabalho, fazer
comida, limpar a casa. Ufa! Frase longa
e que se alongaria por vários e vários parágrafos; porém, aprendemos.
Aprendemos que tudo isso existe e nos desestimula.
Educam-nos, e isso nos motiva a parar de fantasiar. Ensinam-nos que precisamos
seguir o contexto social de nossa rua, nosso bairro, nossa comunidade. Somos
obrigados a aprender que o mundo não é tão alegre quanto pouco antes
pensávamos. Descobrimos que as balas e biscoitos custam, dinheiro. Que nem
sempre pai ou mãe tem um trocado para um lanche na praça, um picolé na rua, um
chocolate no mercado ou o salgadinho na padaria.
O tempo passa e a sociedade destrói nossa fantasia.
Colocam-nos na realidade surreal da vida. O mundo insere-nos em sua rotina e as
pessoas têm de cortar cabelo e fazer a barba; têm de usar roupas que a
sociedade as obriga, a calçar um tênis sem buracos ou um sapato lustroso. O
mundo corrói a fantasia. A sociedade destrói o sonho da criança que queria
navegar pelo universo, tal qual faz um pato, de forma magnífica e encantadora, sobre
um lago. Derrubam nossos sonhos.
A sociedade destrói mais do que constrói. Depois, tem de
correr para reconstruir. Orem, vem outro e destrói novamente. A velha praça já
não era a mesma, pois alguém destruiu, depois de alguns construírem. A praça
velha ficou no esquecimento, nas lembranças de pés sujos e apelos de vizinhos
silenciosos. Os destroços da infância ficam entrelaçados com as pedras que
caíram sobre a areia, sobre o chão batido, sobre a velha casa. Um prédio é erguido
sobre um pequeno riacho.
Faz parte da mudança de nossa sociedade. As praças deram
lugar aos prédios, ao confinamento de nosso lar, ao abrigo do sol, da chuva, do
frio e do calor. Valores infantis deram espaço aos créditos societários da fase
adulta, dos números, das siglas, dos verbos, da preocupação. Por alguns
momentos, vi minha infância deixar as alegres memórias do meu passado, abrir
espaço para as memórias do futuro que me espera. Até que sejam suprimidas pelo
futuro, as cuidarei.
Mais do que aquele velho parque, aquele velho espaço em
desuso, algo surgirá. Por alguns momentos, fechei os olhos e imaginei o passeio
no parque com a minha filha. Um futuro parque, ou parques, poderão abrigar meu
passado não tão distante, com um futuro tão esperado. Quero passear e cruzar
por entre os fios de água, sentar na margem do gramado e apreciar os cachorros
correndo, os pássaros viajando entre o vento e imaginar os patos divertirem-se
sobre as águas do lago.
Ouvindo: Plush do Stone
Temple Pilots.