quarta-feira, 25 de julho de 2012

Passeio na praça


* Coluna publicada no Diário do Meio Oeste no dia 26 de maio. **

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Ouvindo: The Evil That Man Do do Iron Maiden.

            No passado, você foi levado passear no parque? Seja um parque gigante ou um humilde parquinho, perto de casa, foi? Não agora, quando grande, mas quando pequenino, ainda criança. Tente forçar a memória para aguçar o saudosismo, as recordações de sua feliz infância. Feliz sim, pois apenas muito tempo depois é que você notou que nem sempre sua infância foi feliz. Naquele tempo não existiam valores, nem dinheiro, tudo era fácil, de graça, acessível. Até pilotar uma astronave era algo facilmente possível.

            O tempo passou e logo percebemos que aquele parquinho não era tão bonito quanto pensávamos, que a areia já não era limpa, que andar descalços ou ficar com os pés sujos e molhados era chamarizes para doenças, que o vizinho também dormia, que os bebês precisavam de repouso, que o senhor de idade detestava barulho, que pai e mãe tinha tempo para seu trabalho, fazer comida, limpar a casa.  Ufa! Frase longa e que se alongaria por vários e vários parágrafos; porém, aprendemos.

            Aprendemos que tudo isso existe e nos desestimula. Educam-nos, e isso nos motiva a parar de fantasiar. Ensinam-nos que precisamos seguir o contexto social de nossa rua, nosso bairro, nossa comunidade. Somos obrigados a aprender que o mundo não é tão alegre quanto pouco antes pensávamos. Descobrimos que as balas e biscoitos custam, dinheiro. Que nem sempre pai ou mãe tem um trocado para um lanche na praça, um picolé na rua, um chocolate no mercado ou o salgadinho na padaria.

            O tempo passa e a sociedade destrói nossa fantasia. Colocam-nos na realidade surreal da vida. O mundo insere-nos em sua rotina e as pessoas têm de cortar cabelo e fazer a barba; têm de usar roupas que a sociedade as obriga, a calçar um tênis sem buracos ou um sapato lustroso. O mundo corrói a fantasia. A sociedade destrói o sonho da criança que queria navegar pelo universo, tal qual faz um pato, de forma magnífica e encantadora, sobre um lago. Derrubam nossos sonhos.

            A sociedade destrói mais do que constrói. Depois, tem de correr para reconstruir. Orem, vem outro e destrói novamente. A velha praça já não era a mesma, pois alguém destruiu, depois de alguns construírem. A praça velha ficou no esquecimento, nas lembranças de pés sujos e apelos de vizinhos silenciosos. Os destroços da infância ficam entrelaçados com as pedras que caíram sobre a areia, sobre o chão batido, sobre a velha casa. Um prédio é erguido sobre um pequeno riacho.

            Faz parte da mudança de nossa sociedade. As praças deram lugar aos prédios, ao confinamento de nosso lar, ao abrigo do sol, da chuva, do frio e do calor. Valores infantis deram espaço aos créditos societários da fase adulta, dos números, das siglas, dos verbos, da preocupação. Por alguns momentos, vi minha infância deixar as alegres memórias do meu passado, abrir espaço para as memórias do futuro que me espera. Até que sejam suprimidas pelo futuro, as cuidarei.

            Mais do que aquele velho parque, aquele velho espaço em desuso, algo surgirá. Por alguns momentos, fechei os olhos e imaginei o passeio no parque com a minha filha. Um futuro parque, ou parques, poderão abrigar meu passado não tão distante, com um futuro tão esperado. Quero passear e cruzar por entre os fios de água, sentar na margem do gramado e apreciar os cachorros correndo, os pássaros viajando entre o vento e imaginar os patos divertirem-se sobre as águas do lago.

Ouvindo: Plush do Stone Temple Pilots.

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