sábado, 8 de setembro de 2007

Cortina


Ouvindo: Shot In The Dark do Ozzy Osbourne. São 16h43.

Marcavam onze horas da noite de um feriado quente. Dezenove graus assinalavam no velho termômetro caseiro pendurado na parede branca, opaca, um tanto úmida devido ao frio das últimas semanas. Depois de um período frio o calor voltou a surgir. E reapareceu com força. As paredes onde antes escorriam pequenos caminhos de água hoje se sentem contentes expondo seu branco opaco e que brilham com o reflexo das luzes antigas da morada. Ainda teimam em deixar escorrer alguns resquícios de umidade. Um clima de vazio paira no ar por mais que tenham pessoas andando freneticamente pela casa. Uns correndo para o banho, outros indo lavar algo, outros ainda arrumando-se de forma rápida para ir ao quarto, descansar para um dia seguinte que será cansativo e forte. O carpete marrom acolhe confortavelmente os insetos que teimam em se queimar no calor da lâmpada. Para amenizar a desconfortável presença dos insetos no quarto durante o sono são acesas luzes em outros cômodos da casa. De forma consciente os insetos dirigem-se, aos poucos, até outros locais, queimando-se num calor que beira 80 graus. E novamente o carpete os acolhe. Sem reclamar ou queixar-se do leve peso que fazem sobre ele. Aparentemente a população de insetos é menor no quarto quando é fechada a porta e a cortina cerrada na janela que dá acesso ao nada. Antes de cerrar de forma completa a cortina branca, desgastada com o passar do tempo e das muitas mãos que a tocaram durante alguns anos. Nem as freqüentes lavagens fazem com que ela sinta-se novamente linda, bonita, macia e cheirosa de anos antes. Tempos da sua mocidade que foram perdidos para o bem-estar dos visitantes que passaram pelo velho, mas aconchegante, quarto. Imagina-se que ela sinta saudades dos que passaram pelo local, que lhe fizeram leves carinhos, mas que nem se despediram dela quando foram buscar outro caminho. Da sua tristeza sobraram as velhas marcas de pequenas, mas eficientes, costuras. Durante o dia sente-se solitária devido à ausência dos habitantes de seu lugar. É seu lugar porque é a mais antiga moradora da casa. Por ela já passaram inúmeras pessoas. Homens, mulheres, quiçá crianças. Viu a maior intimidade das pessoas, ouviu suas lamentações, sentiu o cheiro de cada uma, ouviu o choro sem nada poder oferecer. Quem sabe o consolo de seus sentidos fios para enxugar as lacrimejadas faces de suas visitas. Sentiu a alegria de pessoas que ali descobriram bons motivos para viver. Sorriu junto quando estes exclamavam internamente suas alegrias por realizações, por conquistas, por mudanças benéficas. Superficialmente ela sente-se alegre por ter compartilhado de alguns destes momentos. E segue, incansavelmente, fazendo o trabalho a que foi submetida desde seu nascimento. Às vezes para esconder a claridade, outras para amenizar a sensação de frio, outras ainda para tentar evitar a entrada de insetos ou até mesmo para esconder a intimidade de seus convidados. Não sei o que seria se a cortina falasse ou tivesse amigos fiéis.
PS: Obrigado pelos toalhinhas personalizadas que ganhei nesta sexta-feira. Amei. Mas serão utilizadas para "outras coisas" e não para 'aquelas' que usava antes. Entendeu o recado? Beijo grande. Mas a cortina não sentirá ciúmes. Assim espero. Do contrário já sacarei ela fora e colocarei o lençol em seu lugar.

Ouvindo: Mama I´m Coming Home do Ozzy Osbourne. São 17h33.

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